Texto-Pivô: "Muitos são chamados e poucos os escolhidos", é assim que Licínio Braga justifica a saída do seminário. De Braga para o Porto, conta-nos o conflito que viveu entre a vida religiosa e a sexualidade de um jovem de 17 anos.
Entrevistado 1: Sou o Licínio Moreira Braga, faço 70 anos no dia 30 de abril deste ano. Fui empregado de escritório durante 50 anos. Estou reformado nesta altura. Menino e moço, com 11 anos e meio, antigamente as crianças diziam "um queria ir para polícia, outro para bombeiro, outro para não sei quê, outro para não sei quê". Eu disse que queria ir para padre, sem ter referências nenhumas da família, alguém que tivesse envergado por essa vida. Feitos os meus 11 anos, no dia 30 de abril de 1958, em novembro, fui parar ao convento de S. Francisco da portela, em Leiria. Para frequentar o 1º ano. Ao fim do 1º ano, em que quando o meu pai virou costas e me deixou ficar, chorei muito, com muitas saudades e tive muitas saudades dos meus pais. Mas lá me fui habituando. Feito o primeiro ano em leiria, vim para montariol, Braga. Foi onde fiz o 2º, 3º, 4º e 5º. Ao fim desses anos, com altos e baixos mas nunca a nível académico porque passei sempre pois é preciso saber. As pessoas têm o conceito que ir para o seminário que é para, entre aspas, apanhar os estudos e depois desistir e vir cá para fora. É falso porque eu pagava. De 3 em 3 meses, o meu pai pagava uma determinada verba. Apaixonei-me por aquela vida durante aquilo tempo. Claro, vai-me dizer e é onde querem chegar: porque desistiu? Porque com 11 anos não há, certamente, os problemas de sexualidade. Educam-nos também para a vida cá fora, diziam-nos sempre: mais vale ser um bom chefe de família do que um mau padre. Muitos são chamados e poucos os escolhidos, esta fase é bíblica. Porque ao chegar a esta fase, é muito penoso para nós, para quem tomar a decisão de desistir, é muito penoso. Porque mandou-se a fotografia para a maezinha e a avozinha, todos contentes "olha o meu filho vai ser padre". Depois há a luta interior dentro de cada um de nós. Dou este desgosto porque para os meus pais era um desgosto eu desistir. Dou este desgosto ou continuo embora correndo o risco, sabendo que pela minha natureza e a minha maneira de ser que serei um fracassado? Temos de fazer uma opção. Eu optei exactamente por essa frase, mais vale ser um bom chefe de família, continuando com os ideais de Francisco de assis, de S. Francisco. Tenho saudades. De certas coisas, principalmente, devo dizer... Do Natal Franciscano.
Maria Inês Moreira e Maria Inês Pinho